Apesar de sentida, mas bem disposta, a poesia que o João Cortiço debita, é generalista e não particularizada à imagem de terceiros; como toda arte, a poesia tem o seu próprio tempo conjuntural e, é como tal que deve ser entendida.
FILHA I
A minha filha é pequena
É diferente das demais
O peso da inteligência
Não a deixou crescer mais
No meio de tantos doutores
Parece que estou numa ilha
Só que não estou isolado
Porque tenho a minha filha
É pequena sim senhor
E a força do pai herdou
Com a teimosia da mãe
Ao fim do curso chegou
O curso que eu lhe dei
Ficou-me numa fortuna
Não lamento o dinheiro gasto
Pois ela foi boa aluna
Terminado agora o curso
Outra guerra vai começar
É a de conseguir emprego
Antes de pensar em casar
15-Junho de 1993
FILHA II
Vi-te nascer e crescer
É bonita a sensação
Ter outra filha formada
Mas no curso de gestão
São duas filhas que tenho
Que em nada são iguais
Mas podem ter a certeza
De ser o orgulho dos pais
Estudaste e conseguiste
Aproveitaste, ainda bem
Segue o conselho dos pais
Para vires a ser alguém
Para isso o que é preciso
É competência e humildade
E um dia vais dizer
O meu pai falou verdade
Tenho experiência da vida
Vivemos num mundo cão
Se quizeres sobreviver
Tens de ter muita ambição
Chegaste ao final do curso
Nem me preocupei sequer
Porque sempre tive a certeza
De seres uma grande Mulher
És uma grande Mulher
Com porte altivo e charmoso
Certamente que vais vencer
E ter futuro auspicioso
SOLTAS - MEDELIM
(ao sabor do tempo)
(ao sabor do tempo)
Já lá vão quarenta anos
E com a reforma regressei
Para esta linda terra
Pela qual me apaixonei
Gosto do ar que respiro
Isolado aqui nesta terra
Não passo cartão às notícias
Nem oiço falar da guerra
Já passaram muitos anos
Que eu cheguei a Medelim
Disseram-me que é terra boa
E que tem gente ruim
É verdade ou é mentira
Cada um pensa o que quer
Mas foi nesta linda terra
Que arranjei a minha mulher
As casas feitas em pedra
Têm muito que contar
Mais desgostos que alegrias
Com a guerra do ultramar
Muita gente aqui chorou
Pois foi grande a sua dor
A desgraça não foi maior
Graças ao santo protector
Fizeram-se muitas promessas
E todas foram cumpridas
Pois o Senhor do Calvário
Protegeu as suas vidas
Tem cento e cinquenta balcões
E tem um grande solário
Para verem que é verdade
Subam ao Senhor do Calvário
É um lindo miradouro
Vê-se a Gardunha e Monsanto
Penamacor e o Pedrógão
E ao longe Castelo Branco
Gosto de olhar para Monsanto
Dizem os espanhóis que é "guapa"
Medelim com os seus balcões
Também há-de vir no mapa
Só se fala da Idanha
Monsanto e Penha Garcia
Mas de Medelim ainda vamos
Ouvir falar qualquer dia
O sossego aqui é grande
Não há muito para fazer
Diz-se mal deste e daquele
Para não se adormecer
O mal das terras pequenas
É a inveja e a intriga
E a mentalidade tacanha
Provoca por vezes a briga
Numa terra tão pequena
Vive numa confusão
Por causa do diz-se, diz-se
Sem haver qualquer razão
Não fazem a ponta dum corno
Andam num grande histerismo
Simplesmente para obterem
O seu protagonismo
Vãoà missa Santo Deus
Estes grandes pecadores
Não são pedaços de gente
Mas sim grandes roedores
Se vieste para cá viver
Não emprenhes pelo ouvido
Põe o coração à larga
Senão ficas doido varrido
Na solidão do meu sótão
Dou largas ao pensamento
E analiso as pessoas
E o seu atrevimento
Usam pézinhos de lã
E a língua muito afiada
Porque dentro da cabeça
Só há ar, não há mais nada
É preciso saber lidar
Com a gente da aldeia
Em vez de massa cinzenta
Muitos só têm areia
E então é vê-los coitados
Às turras uns com os outros
Não há diálogo possível
Com este bando de loucos
Penso que será do vinho
Outras vezes da idade
Devemos é sentir pena
Desta triste realidade
Vão contentes para a missa
Mas quando chega o final
Saem pela porta pequena
E não pela principal
Pois pela porta pequena
Só sai um de cada vez
E, assim, diz-se mal
da vizinha outra vez
Tomam o Corpo de Cristo
E voltam ao seu lugar
Mas ao ler o seu pensamento
Vejo que estão a pecar
É um círculo vicioso
Ir à missa e comungar
Sair da igreja para fora
E começar logo a pecar
Deu-me Deus este condão
De analisar as pessoas
E raramente me engano
Nas más e também nas boas
Deixem de ser emproados
Ponham de lado a vaidade
E comecem a aprender
A viver em sociedade
Aqueles que nada fazem
Só sabem é criticar
Fazem vida de café
E os outros a trabalhar
A conversa é sempre a mesma
Quando começa a aquecer
Vai mas é regar a horta
Que é para o grelo crescer
Põe as empas nos tomates
Grita o outro lá do canto
Se está algum turista
Abre a boca de espanto
Isto aqui é mesmo assim
Esta é a linguagem corrente
E diz o turista para mim
Não vou voltar certamente
POLÍTIQUICES - LEGAIS
Lembro-me de certa velhinha
Ir parar ao tribunal
Por uma verba irrisória
De três euros e tal
No entanto há governantes
Que quando cessam funções
São colocados em empresas
De onde desviam milhões
Quando vão ao parlamento
Arranjam tanta embrulhada
Confrontados com os factos
Nunca se lembram de nada
Com leis à sua medida
Não há nada a fazer
Dizem que têm amnésia
Para não os poderem prender
Tenho pena das pessoas
E algum constrangimento
E as políticas erradas
São coisas que eu lamento
O estado castiga os pobres
Castiga-os até mais não
Faz deles gato sapato
E nunca lhes dá a mão
Mas os ricos coitadinhos
Nunca podem passar mal
Se lhes tiraram centimo
Abandonam Portugal
Vão para o Brasil, pois claro
à espera de regressar
E estudam dia e noite
A maneira de nos roubar
Mas para estes a justiça
Anda muito devagar
Os processos mediáticos
São todos para arquivar
Fotos By A.Pires In 2010